domingo, 7 de novembro de 2010

Um grande talento popular também cabe no "Quartinho"


Ana Carolina saiu de Juiz de Fora, em Minas Gerais, para investir na carreira de cantora no Rio de Janeiro. Começou cantando em barzinhos da cidade dela; o passo inicial da maioria dos aspirantes à música. Chegou ao Rio onde em breve assinaria um contrato com uma gravadora Multinacional, indicada pela filha de Vinícius de Moraes, a empresária Luciana de Moraes. Logo, uma das músicas do repertório da cantora foi parar na trilha de uma novela, e, a partir daí, em seis meses do lançamento do primeiro CD, intitulado “Ana Carolina”, foram vendidas mais de 100 mil cópias.

A cantora adotada por admiradores na noite de Juiz de Fora como suposta defensora da música alternativa, foi parar na novela. Sabem o que isso significa? Para os “rebeldes” alternativos, quase uma traição às suas origens; para Ana Carolina, uma atitude inteligente e, sobretudo corajosa (poderia dar errado) que posteriormente ficaria muito bem resolvida em sua carreira.

A propósito, músicos alternativos no Brasil, grosso modo, são aqueles avessos ao sucesso e divulgação na mídia. Para eles, o barato é ser reconhecido por uma rodinha de pessoas que compartilham das mesmas ideias musicais, sociais e até políticas, e que admirem seu trabalho intimista. Isso basta.

Em 2009, Ana Carolina completou 10 anos de carreira. Além de cantora é também uma consagrada compositora, arranjadora, instrumentista – toca violão, guitarra, baixo, piano e pandeiro - e artista plástica nas horas vagas. Como poucos, conseguiu incluir tudo o que gosta, e faz bem, no seu trabalho artístico. Que justamente por ser tão diverso, não deve ser chamado apenas de musical.

No começo, Ana era essencialmente conhecida por músicas em novelas. A primeira que a consagrou foi “Garganta”, incluída na trilha sonora da novela “Andando nas nuvens”, da rede Globo. A música é de autoria de Antônio Villeroy que, ao assistir a uma apresentação de Ana Carolina num bar de Belo Horizonte, entre copos e guardanapos, compôs “Garganta” especialmente para a voz e interpretação da mineira. Dessa forma conheceram-se, e hoje, Antonio Villeroy é para Ana Carolina como Erasmo é para Roberto Carlos. Assim ela mesma o intitulou: “O Erasmo da Ana”. Isso porque Villeroy é um dos grandes (na verdade o maior) parceiros de composição da cantora. Com ele escreveu muitas canções de sucesso.

Conforme se solidificava a carreira, Ana Carolina, sem grandes preocupações com a crítica, ousava cada vez mais. Para os que lhe acompanham a carreira, Ana Carolina há muito tempo não é mais só a cantora de novelas. Com a personalidade musical cada vez mais imposta, compôs e interpretou muitas canções fortes, polêmicas e musicalmente sofisticadas. Isso tudo em um repertório que inclui pop, rock, samba e até tango.

Em 2008, lançou o CD duplo “Dois quartos”. Esse é o disco que talvez até inconscientemente, veio para provar um espaço conquistado na música brasileira que não poderia ser de mais ninguém.

O álbum é composto por 24 canções, divididas em dois CDs, cada um com 12 músicas. O primeiro foi nomeado de “Quarto”. Nele foram gravadas as músicas de maior sucesso, mais radiofônicas, românticas e até com algumas críticas sociais. O segundo CD é o chamado “Quartinho”. Lá estão as músicas mais polêmicas e também as mais sofisticadas musicalmente. Letras e arranjos melódicos especialmente caprichosos.

Segundo a crítica de Catia Dechen, publicada no Canal Pop do portal Terra, “por conter letras ‘impróprias’, ‘Dois Quartos’ recebeu um selo desaconselhando-o para menores de 18 anos. Apesar disso, Ana Carolina alcança nesse álbum o esplendor da sua criatividade”.

Desde a inteligente iniciativa da cantora em dividir as canções em dois CDs no mesmo álbum, até esta última afirmação, fica estabelecidamente clara a relação dos brasileiros com a música. Enquanto a MPB de qualidade vem perdendo espaço e ironicamente continua sendo censurada, só não mais pela ditadura, músicas como “Créu” estão na boca de crianças e adultos. É equivocadamente contraditório. Primeiramente, se é melhor que as crianças não ouçam sobre sexualidade, mais proibidas ainda deveriam ser as musicas popularescas que falam sobre sexo de forma muito mais ridicularizada e irresponsável, e sem qualquer conteúdo musical.

Mas o que realmente impressiona é que os adultos pensem desta forma superficial, sem levar em conta o conteúdo musical das canções, e que esse “selo de censura” tenha sido colocado em uma obra fonográfica que deveria ser tratada tal como é: letras feitas com poesia e as melodias com um invejável arranjo de recursos instrumentais. Um álbum apreciado até por outros países e outras culturas, acabou sendo julgado de maneira equivocada justamente por brasileiros, que deveriam apreciar e defender a música que representa a cultura do país.

Arriscando tanto desde o começo da carreira, assumindo a polêmica bissexualidade, a falta de preocupação com críticas, rótulos e julgamentos maldosos, até chegar a essa etapa de liberdade da música sem questionamentos, e com admiração cada vez maior do público, Ana Carolina poderia não ter dado certo no momento em que assumiu a postura de artista de personalidade, se dando o direito de ser mais do que canções românticas, surpreendendo com repertórios e composições bem mais ousadas, como nas músicas em que faz críticas sociais, por exemplo. Mas sua ousadia nunca significou desafiar a música popular para defender o rótulo alternativo. Ana assumiu que não era vergonha alcançar o sucesso por meio da música em novelas, mas também não foi preciso trancar-se nessa jaula de pouco espaço para um artista de gostos diversificados.

E é assim que, para ela, se traduz esta questão: “Teve um público que ficou meio ressentido pelo fato de eu começar a tocar em novela. Mas eu me dei conta de que assim eu ia ter um apelo popular sempre, sem nunca deixar de fazer as coisas que eu queria fazer”.

Mais uma de suas vertentes enquanto artista é a pintura em telas, que também está diretamente ligada à musica. Quando lançou o segundo álbum, “Estampado”, Ana pintou uma tela para cada música do CD.

Agora, no trabalho mais recente, chamado “Ensaio em Cores”, durante cada apresentação, no mesmo local do show ficam expostas as obras de Ana Carolina que estão à venda. Parte da verba arrecadada com a venda das telas será doada para a ADJ (Associação de Diabetes Juvenil). A preocupação com a causa nasceu por conhecer de perto o drama da diabete. Ana Carolina tem a doença desde os 16 anos.

No livro, Universos da arte, a autora Fayga Ostrower diz que “a imagem é sempre uma forma estruturada. Nela se condensa toda uma gama de pensamentos, emoções e valores. Entretanto, por parte do artista que os formula, esses valores e pensamentos raramente ocorrem verbalizados, isto é, o artista sequer precisa trazê-los primeiro ao nível de palavras, para em seguida traduzi-los ao nível de forma. Ele pensa diretamente nos termos de sua linguagem visual, ou seja, ele pensa em cores, linhas, ritmos, proporções. (...) Lá, em regiões não-verbais, se fundem num sentimento de vida. E de lá o artista retira livremente, espontaneamente, portanto intuitivamente, aquilo que necessita para seu trabalho”.

O conceito da autora, em relação à arte por meio da imagem, confirma o que diz Ana Carolina quando fala do trabalho como artista plástica: “Gosto muito de pintar quadros, de mexer com cores. Daí faço um quadro, acho que ‘tá’ pronto, aí acordo de manhã e pinto outro quadro em cima do mesmo; enfim, é muito difícil abandonar as cores. Eu mexo muito com a minha intuição para criar, pra fazer música, pra cantar e pra pintar, é tudo intuitivo”.

É preciso que nós, brasileiros, tenhamos orgulho e defendamos toda e qualquer forma de arte que represente nossa cultura. A cada vez que o público dá mais audiência a músicas como “Créu”, canções de qualidade e com conteúdo cultural (como as canções de MPB) perdem a força. Ana Carolina faz parte da Música Popular Brasileira, assim como nossos muitos outros soldados que lutaram, por meio da música, pela cultura do Brasil ainda na época da censura promovida pela ditadura militar. Ana Carolina é uma das artistas que fazem parte da nova geração da MPB, que, tratada como gênero musical, é uma das maiores riquezas culturais produzidas no nosso país.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Eduardo Gansauskas



Para quem gosta de escrever, e acima de tudo, escrever emoções, sabe o que vou dizer:
Ao mesmo tempo em que criar textos tão cheios de significados interiores é tão sublime, tão prazeroso; pode ser um momento em que tudo o que você sabe da vida vai por água abaixo, porque você descobre que não sabe nada!
Descobre que não sabe o que está fazendo aqui, e que não sabe de que vai servir tudo o que você viveu quando morrer. Por isso fico me perguntando, o que é que eu preciso fazer para tornar as coisas mais importantes pra mim imortais?
Eu tenho uma família linda. Uma família que me amou desde sempre, e que fez tudo por mim, pela minha vida, pela minha saúde. Talvez por isso, tudo o que eu mais quero fazer nesse mundo é dar orgulho a eles. É mostrar que eu cresci, e que fiz de cada coisa que passei um degrau. É mostrar que o que eu estou sabendo ser feliz do meu jeito. Afinal, eu tenho certeza que é isso que mais faz feliz as pessoas que me amam.
Dentro da minha família já houve muitas perdas, muitas pessoas queridas se foram. Mas, no meu caso, só uma delas chegou ao meu coração. Acho que porque quanto às demais, eu era ainda muito pequena para “entender”. Era a época em que tudo o que precisamos saber é que a pessoa querida virou estrelinha no céu, e para a sabedoria de uma criança, isso nem dói tanto assim, porque é bom, é proteção.
Eduardo Gansauskas é a estrelinha que mais me doeu “perder”. E por outro lado, é a estrelinha mais importante das minhas noites, dos meus dias, e da minha vida.
Deixou de viver na Terra para virar um anjo do céu em 27 de dezembro de 2005. Um dia do qual sempre vou me lembrar... de quando me acordaram na madrugada para dizer, em outras palavras, que eu teria de ir ver pela última vez o rosto do meu avô, tão amado. Foi realmente uma despedida. Dei os últimos beijos, os últimos carinhos físicos, os últimos olhares de admiração de neta coruja. E talvez eu tenha começado a me despedir também de todas as minhas perguntas sem respostas, dando lugar à sede de conhecimento da espiritualidade. Acho que foi o modo mais “fácil” de entender que ele estaria bem, dali para frente. E é disso que eu tenho certeza, desde então.
É um exercício enorme para praticar o desapego ao egoísmo característico de quem fica sofrendo a partida. É como reaprender a ser criança e entender que não se deve sofrer (tanto) por alguém que foi embora para ficar bem e feliz no céu, e nos proteger.
E hoje, cada lembrança que tenho, de cada momento que vivi com ele, é o meu eterno tesouro. Agradeço a Deus por tê-lo conhecido, ter recebido tanto carinho; embora não tão explícitos, tão físicos, mas não menos grandiosos.
Entre todas as outras coisas das quais me lembro perfeitamente, a mais especiais foram as tardes que passei em sua casa todos os dias da minha infância. A sessão da tarde era nosso programa preferido juntos. Já os filmes de luta eram os preferidos dele. Me lembro das milhões de vezes em que assistimos “O Rambo”. O filme era sempre o mesmo, mas hoje entendo que o que importava mais eram as nossas emoções juntos, que eram sempre diferentes. Era o nosso prazer de estar um na companhia do outro, sentados no sofá.
Durante os últimos anos de sua vida na Terra, ele sofreu da doença mais sacrificante para uma família, mas por outro lado, uma doença que é para gente sábia entender, mesmo que ache que não entenda.
Digo isso depois de ler o livro “Para sempre Alice”, no qual eu mergulhei com tanta vontade de entender o que ele sentia, que eu acho que entendi. É a doença em que se manifesta o coração. Esquece-se a memória, para dar lugar a tudo o que o coração guardou durante toda a vida. A todas as pessoas que realmente amou, com toda a força.
Um trecho do livro diz: “Num amanhã próximo, esquecerei que estive aqui diante de vocês, mas o simples fato de eu vir a esquecer num amanhã qualquer não significa que hoje eu não tenha vivido cada segundo dele. Esquecerei o hoje, mas isso não significa que o hoje não tem importância!".
Depois disso, é que eu dou valor a cada vez em que ele chamou meu nome, sem saber ao certo quem eu era. Mas o coração lembrou de mim, o sentimento verdadeiro foi preservado, sempre foi. E nesse caso, a memória pouco importa. O que realmente interessa, nesse caso, e em todos os outros, é o amor!
Eu sei que de lá onde ele está agora, continua vivendo ao nosso lado, durante todos os instantes. Eu soube que ele está cuidando de nós. Olhando pela amada esposa, pelos filhos, netos, e pela nora também.
Não existe momento mais oportuno do que esse para dizer: “Tudo ficou guardado!”. E permanece. E permanecerá intacto para sempre, não na memória, mas em todos os corações que se amaram além da memória. E todos os corações que se amaram, ficam sempre perto, SEMPRE mesmo. Porque a vida é só uma passagem, e ela continua, e vai até onde nenhum de nós pode sequer imaginar!
Todos os meus momentos felizes eu dedico a ele, porque mais do que nunca eu tenho certeza de que ele sabe de tudo o que meu coração guardou. Eu o amo demais!